sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

O Homem que flutuava


Fernando Olmo
O HOMEM QUE FLUTUAVA

“A vida é maravilhosa se
não se tem medo dela.”
Charles Chaplin

Lá vinham eles ladeira abaixo mais uma vez... O garoto tinha que lhe amarrar pela jugular para que não se dispersasse. De tão leve o sujeito boiava no ar puxado pelo seu filho nas ruas da cidade. Flutuando, o homem deitava de costas quando se cansava [se posso dizer cansava..., virava de bruços e também de ladinho. Até nadava... Tudo bem calmamente lá do alto conversando com seu moleque. Se alguém via isso? Sim! Apenas não davam bola... Os senhores estavam demasiadamente ligados aos problemas e não havia espaço para cuidar de um cara voando por ai... As senhoras os fitavam passando espantadas. Seguiam-nos estarrecidas com os olhos até quebrar o pescoço. Mas, bem rápido voltavam para as suas preocupações diárias e já esqueciam o inacreditável. Os ébrios no botequim achavam que fosse efeito da cachaça e pediam mais uma... Jovens temiam contar sobre o acontecimento e alguém pensar que fosse efeito das drogas e outros mais deixavam de apontar o fenômeno com medo de sofrer as conseqüências num manicômio. _ Vou falar nada... É problema! Vai que me dão por louco. – diziam uníssonos.  Nessa, apenas as criancinhas achavam o máximo tudo aquilo. Seus familiares quando as ouviam falar não lhes davam atenção... _ Liga não, é fantasia de criança. – dizia uma vovozinha. E, serelepes, cochichavam uma com as outras que deveria ser o máximo soltar pipa com o papai. Mais legal ainda quando o papai era a própria pipa...
O homem que voava pelos logradouros dos arredores tinha absolutamente preocupação nenhuma não... Apenas curtia o role com o seu pimpolho parecendo um balão de gás hélio. Esse era o seu maior prazer... Tá bem que o menino ficava um pouco acanhado de ter que puxar o seu amigão no ar, mas adorava...
Tudo começou quando o cara de tanto se preocupar, correr, estressar, chorar e sofrer, de repente, despreocupou... Prometeu que a partir daquele santo dia não iria se irritar com mais nada... Desprezou de uma vez por todas suas adversidades e controlou o estresse. Entupiu-se no início de erva-cidreira, mas deu certo... A pressão que antes era sempre alta despencou. Agora é só relax...
Lembrou-se que tinha mulher e filho e passou a agradá-los, coisa que há muito não fazia... A nega de pronto assustou com aquele novo mesmo homem e pôs-se a apalpar-lhe as partes para ver se não era febre ou doença ruim. E sobre ele perambular pelo ar, fez que nunca viu... Jamais disse isso a alguém para lhe evitar dissabor. Tinha medo de complicação... No entanto, o filhote era só alegria... Quando não estava a conduzir o genitor para cima e para baixo amarrado a uma tira de pano [que, afinal de contas, era uma baita diversão], tava brincando com ele de videogame, de esconde-esconde, jogando bolinha de gude... Virou o pai-herói dos sonhos [não obstante o guri, no fundo, no fundo, pensasse que o seu velho estivesse pirando, mesmo.].
O novo mesmo homem apenas descomplicou... Tava pirando nada. Aliás, despirou... Só não queria morrer sem ter o seu melhor valor..
- E o aluguel, a mensalidade da escola do filho, o pagamento do plano de saúde, as prestações mensais, a rincha com o vizinho e o trabalho? Isso não tem que ser preocupação, hein? – provocava um tolo familiar.  
- Corra! Vá! Já! Pegue ali, lá, acolá! – irritava o patrão.
Enfim, tentavam infrutiferamente desconsertá-lo. E, por mais que insistissem nesse intuito, ele diferente de outros tempos apenas sorria. O tamanho do sorriso era proporcional à pressão que lhes faziam... Não deixou de cumprir seus compromissos, bem pelo contrário. Só não os viam mais como problemas; não os temiam... Resolveu, terminantemente, que tinha de viver mais sabores e que ele era gente importante, principalmente, para os seus.
Dispensou a mágoa, depois o ódio e a inveja, a cobiça, a falácia e parou de reclamar... E foi ficando leve. E dia após dia que deixava um desprazer, ficava mais leve. E paulatinamente, cada vez mais leve até que pluft... Boiou no ar de felicidade.

Fernando Olmo é educador. 
Pertence à AGAPE – Academia Geral de Artes de Presidente Epitácio.
Blog: http://olmo.zip.net
E-mail: fernandoolmoprof@hotmail.com

2 comentários:

LUCIANO ESPOSTO disse...

Seu texto é simplesmente bárbaro!
Me diverti muito e penso que a outros também.
Parabéns amigo. É assim que tiraremos as pedras do caminho.
Grande abraço.

Unknown disse...

Obrigado pelo seu afago, amigo Luciano Esposto. Te acompanho também e merece toda minha [nossa] consideração. É um exemplo em pessoa para a querida Presidente Venceslau e região. Meu carinho!