Fernando Olmo
DENTE POR DENTE
Olho por olho, dente por dente. - Lei de Talião
Pedro Tadeu… Homem alto, forte, simpático e atraente. Verdadeiro semideus. Roupa justa pra mostrar o seu contorno adornado por um sorriso cepacol. No terreiro apanhou uma daquelas mangas graúdas, delícia cheirosa e sugestiva ao consumo. Farto fruto, benção de Deus, que lembrava a sua doce infância. Sacou o inseparável canivete da bainha costurada a mão e logo estava a saborear aos nacos uma bonita espada. Nhoc… Nhoc… Nhoc… Até que… Tof… Acidentalmente, mordeu o caroço e acabara de quebrar o lateral direito do riso.
- Aiê! Ui! E, agora? – consigo resmungou.
Da boca apanhou o mastigador na mão para ver o tamanho do estrago. No reflexo viu o Sêo Creysson das terças na TV. Desesperou-se. Marcava o pataco 19 em ponto de um sábado. Quem o socorreria? Quanto pagaria? Como sanaria essa situação? Tinha uma única certeza… De um jeito ou de outro esse estrago iria consertar. Dividiria ou deixaria sua velha motoca companheira, o que fosse…
Escondia-se no percurso do socorro. Sem disposição de encarar as pessoas, escamoteava o seu “cartão de visita” naquele instante. Dente bonito, contudo, já acometido de um canal que, consequentemente, descalcificou-o fazendo num momento inesperado pular pra fora. Sabia do risco, mas aquele então fraturado não doía… Vaidoso que era, acometia-se de um sentimento de profunda humilhação, como se com o dente tivesse perdido parte de sua dignidade. Enfim, sua autoestima escorria por aquela horrorosa lacuna entreaberta na frontal de sua modelada boca carnuda.
Encontrou-se com a namorada, Maria Joana, pedindo-lhe ajuda. Não conhecia nenhum dentista que pudesse atendê-lo prontamente. Ela riu e repugnou. Logo mais, conduziu seu choramingão enamorado no bem conhecido dentista, mais que amigo. Era o único que, sem muito pensar, tinha-o em mente naquela hora [ou em qualquer outra]. O odontólogo surpreso a recebeu com seu novo companheiro. O bonitão desesperado desconhecia que o tão gentil cavalheiro que o atendia já havia acarinhado o delicado perímetro de delirantes prazeres daquela agora sua dama.
Sorriso inteiro novamente, Pedro Tadeu estava em pé, digno, um homem por completo. Narciso reconstruído pronto a desfilar suas pernas bem modeladas, seus bíceps avantajados e sua autoestima pelos logradouros mais visitados da cidade. Brilhava para Maria Joana [e para todas as outras também...]. Superman! Até que mais adiante na cronologia, inesperadamente, fora abatido como um patinho…
Aquela visita ao insuspeito odontologista não foi a melhor. Ganhou um dente, perdera sarcasticamente o riso. A ocasião fez relembrar recônditos sentimentos entre Maria e o reconstrutor da dentária. Ela acabara de escapar de volta pra ele…
Homem agora de coração rachado, despedaçado, implodido… Foi-se a dona dos seus melhores carinhos. Ocasião de indesejada surpresa, seu mundo desmoronou… Pedro Tadeu, embora tão dado, deu-lhe amor e confiou. Ao saber da intimidade de Maria com o reconhecido, do reatado romance entre eles, sucumbiu ante a dor.
Dias depois, enfurecido, embriagado e decadente, buscou seu alicate na caixa de ferramentas, sentou-se e um por um extraiu sem gritos aqueles malditos dentes, então culpados pelo desamor. A fada do dente o desprezou. Afinal, não se tratava do dente de leite. Banguelo, só lhe restara a dor de cotovelo, sem o ranger de dentes…
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