quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Psicóloga

PSICOLOGIA COM CÉLIA ARFELLI
Dor e alegria de mãos dadas: uma condição humana possível?

A velocidade, o consumismo, o imediatismo, o exagero, o gozo e o prazer são marcas registradas da cultura dos novos tempos. Repercutindo num ideário humano de absolutismo com desejo de plena completude, onipotência, perfeição e satisfação ilimitadas.
Verifica-se que as patologias atuais são da ordem do excesso, do exagero e da aceleração e no seu contraponto a outra vertente é a falta, a paralisação, a solidão, o vazio e o nada. Expressão do sistema paradoxal, ambivalente e contraditório do pensamento contemporâneo é um humano com sentimentos ora onipotentes e ora insignificantes (ou ele é tudo ou nada), distanciando-se de um humano real que comporta em si mesmo potencialidades e limitações.

É neste contexto que a psicologia e em particular a psicanálise se insere, em busca de uma pratica com este sujeito que penosamente procura ajuda, exigindo um olhar profissional para investigar e pensar esta sintomática apresentada. O desafio é: ”pensar o pensamento do homem” atual que reflete o sistema ambivalente e paradoxal do mundo.

A busca por uma psicoterapia se dá fundamentalmente quando o paciente tenta se livrar da sintomática da “dor psíquica”. A experiência da dor dilacerante, extenuante, uma dor sem nome, uma dor tão limitante que interfere no sentido da existência, e da qual o ser humano não está tendo defesas para pensá-la e metabolizá-la.

Temos a pergunta dentro do contexto analítico: “É possível ser a dor uma experiência transformadora”? Ser a dor uma oportunidade de mudança e uma oportunidade de crescimento pessoal? A dor caminhar ao lado, conversar e coabitar com a alegria?

Estar na presença da dor não como uma experiência de desvitalização, impotência, fragilidade e esvaziamento. Porém encontrar-se com a Dor como uma experiência de alargamento de horizontes de percepções e possibilidades.

Acolher e desenvolver condições de se sustentar na dor, porque a dor é importante para a experiência humana, como na vinheta antiga que dizia “Quem passou pela vida e não sofreu passou pela vida e não viveu”.

Qual o tempo hoje que se dispensa para as vivências de lutos, de perdas e sofreres? Em virtude da aceleração dos novos tempos não há tempo para perder e não há tempo para sofrer. O mundo atual tem como princípio a busca desenfreada pelo prazer e uma evitação absoluta a dor. Imperando a acumulação de prazeres, necessita consumir de várias formas para acumular prazer. Não busca acumular dinheiro, bens, muito pelo contrário está sempre endividado e nunca satisfeito, sempre precisando de mais satisfação.

Aceitar a dor de uma forma ativa e não passiva e resignada e desvitalizada. Um acolhimento ativo à dor como uma experiência vitalizante. Não fazer culto ou apologia à dor e ao sofrimento como: tem de sofrer para crescer. Não se trata, por exemplo, de promover sofrimento nas nossas crianças para elas aprenderem a crescer. A ideia é outra, é no sentido de pensar que talvez hoje não estejamos conseguindo ter espaços para aprendermos a sofrer. É também nas experiências de frustração e de crise que desenvolvemos o nosso psiquismo.

No mundo atual existe a vergonha de sentir dor, e de se sentir e parecer limitado, frágil e fraco. As tristezas e fragilidades devem ser escondidas debaixo do tapete como algo vergonhoso. Temos quase uma obrigação de ser e de parecer felizes. As redes sociais são exemplos vivos da nossa necessidade de parecermos felizes o tempo todo, poder controlar como queremos ser vistos. Escondemo-nos atrás do virtual.

O filósofo Nietzsche e o psicanalista Freud, propõem em suas obras em relação ao tema dor que: se diminuirmos a capacidade do humano de sentir a dor, nós vamos também interferir na capacidade deste se jubilar, de atingir vitórias reais e verdadeiras, brotadas da sua própria capacidade de conquista. A dor assim deixar de ser um mal para ser uma força, um poder e uma potência.
Olhar a dor sem dramatizar a dor, sem se vitimizar, nem tentar achar culpados para justificar aquela experiência de dor, ou se sucumbir diante daquela dor. Desta forma enfrentar a dor não como um mal e sim uma força, encontrar em si recursos humanos pra transformar aquela dor em uma experiência transformadora.

Na experiência de comportar aquela dor dilacerante pode nascer à capacidade e a força, e assim ampliando a condição psíquica humana de ser e existir. Porque as condições psíquicas não nascem prontas, nós as desenvolvemos ao longo da vida, nas experiências e nos relacionamentos desde o inicio da vida, e assim sucessivamente no decorrer desta.

A clínica psicanalítica trata a dor, mais não oferece uma cura para a dor. Freud diz que a psicoterapia retira o sujeito de um sofrimento neurótico (aprisionado) e o insere em um sofrimento humano. Não há cura para a dor, face à dor você pode ter destinos psíquicos possíveis: alguns mais mortíferos, doentios e negativos, com experiências mais duras, destrutivas e desvitalizantes, e outros destinos mais criativos e vitais.

Freud refere-se à existência no psiquismo humano de uma constante luta entre os dois poderes antagônicos: do prazer e da dor, o amor e o ódio. É que dentro do humano coabitam duas forças uma mais destrutiva e agressiva e outra mais amorosa e apaziguadora, e que não podemos decidir se as queremos, pois elas simplesmente existem e disputam entre si dentro do nosso sistema psíquico. E que não temos como nos livrar deste duelo porque ele é inerente ao psiquismo humano, como uma luta entre dois Titãs onde ora vence mais a vida ora vence mais a morte. O psiquismo tem que se equilibrar e se manter diante deste conflito e desta briga constante, assumindo como uma balança um equilíbrio tênue entre estas duas forças que se depara em nosso interno.

Este duelo é muito importante para que possamos viver ora a dor e ora o prazer. É neste encontro e neste desencontro entre a vida e a morte, entre a dor e o prazer que o psiquismo vai tentando se manter equilibrado. Se por um lado o psiquismo é impulsionado pela satisfação dos desejos e a busca do prazer, por outro lado ele vai se deparar com a presença da dor que vai impedi-lo de atingir aquele prazer e aquela satisfação. E assim terá de enfrentar este duelo durante toda a vida.

Cada ser humano vai encontrar o seu modo próprio de enfrentar e lidar com a dor psíquica. São diferentes os modos que cada um vai escolhendo, podendo ser formas mais criativas e outras mais empobrecidas, doentes e desvitalizantes.

Célia Arfelli é psicóloga, especialista na área Jurídica e Pós Graduada em Psicopedagogia. Seu consultório em Presidente Venceslau está localizado na Rua Bernardino de Campos, 348. Telefone (Vivo) 99690-5595.

Um comentário:

Jandira disse...

Tema muito bem desenvolvido parabéns psicóloga Célia Arfeli.