quarta-feira, 11 de abril de 2012

Doces Ilusões

Espaço do Nando
DOCES ILUSÕES


A primeira conversa esclarecedora sobre lendas, rituais e tradições, aconteceu no mês de dezembro, em um ano qualquer. O filho, todo esperançoso, colocou os sapatinhos na janela, na ânsia de ganhar um presente do Papai Noel. O pai, preocupado com o fato do menino já estar grandinho e ainda acreditar nestes rituais, disse:


- Filho, precisamos conversar. Guarde os sapatos, pois Papai Noel não existe. Tudo isso não passa de uma lenda que alimenta o comércio de presentes nesta data do ano, que deveria festejar na sua essência, o nascimento de Cristo, mas que na prática, visa principalmente a circulação do dinheiro. Na verdade, eu e sua mãe compramos sempre seu presente e deixamos naquele lugar de costume. Era uma doce ilusão, mas que já está na hora de acabar.


O filho ouviu as explicações, atento às duras palavras do pai. Guardou os sapatinhos e uma lágrima isolada rolou dos seus olhos, demonstrando decepção, mas posteriormente, assimilou bem o golpe. Quatro meses depois, lá está o menino, perguntando ao pai para quando estava prevista a visita do Coelhinho da Páscoa. O pai, mais uma vez preocupado com as fantasias e ilusões do filho, disse, em tom realista, com certa aspereza:


-Filho, precisamos conversar. Não existe Coelhinho da Páscoa coisíssima nenhuma. Tudo isso não passa de uma lenda que alimenta o comércio de chocolates, que deveria festejar na essência, a ressurreição de Cristo, mas que na prática, visa principalmente a circulação de dinheiro. Na verdade, eu e sua mãe compramos o seu ovo de chocolate e deixamos naquele lugar de costume. Era uma doce ilusão, mas que já passou da hora de acabar.


De novo, ouviu as explicações, atento às duras palavras do pai, sendo que novas lágrimas rolaram dos seus olhos, demonstrando outra decepção, que também foi logo assimilada.
Seis meses se passaram e o menino adquiriu rapidamente uma personalidade precocemente realista, desprovida totalmente de crenças infantis e ingênuas. Era início de outubro, dia das eleições municipais naquela metrópole cheia de problemas. Viu o pai acordar cedinho, cheio de esperança e saindo com destino ao colégio onde sempre votava.


-Papai, onde o senhor vai?
-Votar, filhão
-Votar?


-É garoto, vou votar no meu candidato de confiança. Acredito que ele resolverá os problemas de habitação, saúde, educação e saneamento básico de nossa cidade. Governará para todos, nomeando o seu secretariado baseando-se em critérios técnicos e de competência. Cortará gastos desnecessários, realizará obras de qualidade inquestionável e de suma importância, melhorando sensivelmente a vida da nossa população.


O menino, que agora estava calejado com tantas desilusões, franziu a testa, coçou a cabeça e abordou o pai, antes que saísse pela porta, com destino à rua:


-Papai, sente-se aqui do meu lado. Precisamos conversar...




Fernando Freitas é Funcionário Público Estadual e escreve às quartas-feiras.

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