sexta-feira, 16 de março de 2012

Sorte

Post do Luciano
SORTE


Ricardo era um sujeito bonzinho, meio magro, divertido e bom amigo. Nos conhecíamos desde o primário. Era meu infalível amigo de sala e de brincadeiras. Nossa turminha não era grande, mas éramos fiéis.
O único problema com Ricardo era sua sorte. Ele tinha uma sorte absurda e constante. Não acredito em sorte, somente na capacidade de batalhar e de fazer a coisa certa que dá resultados positivos; mas, quando me lembro do Ricardo, abro um enorme parêntese.


Quando criança, jogávamos bolinha de gude e a dele sempre conseguia parar numa posição difícil de acertar. Sempre um “morrinho” ou uma “areiãozinho” acabavam protegendo que fosse “tecado”. Quando acontecia, causava uma sensação de vitória coletiva, mesmo sabendo que perderíamos no final.
Brincando de “pera, uva ou maçã” quando o participante, vendado, escolhia entre beijar, apertar a mão ou abraçar uma das meninas que parassem na sua frente, ele sempre escolhia beijar e lhe sobrava a menina mais bonita.


Quando o assunto era Chamada Oral, fosse qual fosse o professor, sempre ficava esquecido com a turma do dia seguinte, o sonho de todo tímido que se preze. Na quinta série, ao montarmos um “timéco” para disputar um intercolegial, os mais altivos escolheram os times. Ele não era altivo, mas, para não ficarmos com grupos ímpares, o professor acabou lançando ele como cabeça de uma das chaves... pura sorte. 


Como não entendia muito de futebol, selecionou, sem perceber, um bando de pernas de pau, sendo o último aquilo que poderíamos apelidar de “galinzé”, ou seja, feio, pequeno, magro e quieto. Naquele momento tive a impressão que o estoque de benesses do amigo finalmente esgotara. Ledo engano! Os pernas de pau conseguiam atrapalhar tanto em campo que faziam às vezes de marcadores deixando o tal “galinzé” à vontade para ganhar de todo mundo, pois era um baita jogador, daqueles que, se descoberto, teria virado craque.


Só sei dizer que essa amizade era frustrante para o resto da turma. Enquanto cada um gastava um estoque de sorte que seria capaz de caber no tambor de um revólver, Ricardo parecia presenteado com uma metralhadora militar feito aquelas que um atira e outro segura a tira de balas utilizada no filme Rambo do Silvester Stalone... com munição eterna.


Mas a vida é assim mesmo. O tempo passou, cada um tomou um rumo e, depois de muito tempo, encontro Ricardo. O mesmo Ricardo parceiro de infância, divertido, magro (mais que eu) e o mesmo bom amigo. Mora numa cidade pequena (com IDH melhor que o nosso), com algumas empresas boas (lá não tem presídio), está casado e tem três filhos (todos na turma temos dois) e trabalha para uma empresa de tecnologia (ganha mais que cada um de nós).


Continuo não acreditando em sorte; mas devo admitir que na vida, mesmo que algumas coisas mudem, outras permanecem iguais para sempre.


LUCIANO ESPOSTO, é venceslauense, funcionário público estadual, advogado, escritor e poeta com livro publicado e participações em outros com prêmios de seletivas no Brasil e em Portugal. 

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