Artigo
A PRAÇA É NOSSA!
Não faz muito tempo, inúmeros muros de prédios e logradouros públicos de Presidente Prudente foram chafurdados com o anúncio de um produto, à venda numa conhecida e tradicional loja da cidade. Não bastasse aqueles elementos de comunicação social de péssimo gosto, havia o injustificável fato de se permitir o uso de espaço público para a promoção de uma atividade comercial privada. Por conta disso, na condição de promotor de Justiça do Meio Ambiente e de Urbanismo, notifiquei a Prefeitura Municipal a prestar esclarecimentos, e prontamente fui informado que não havia autorização alguma, e que o comerciante pintara aqueles muros para promoção do seu negócio à revelia da administração pública.
Intimado a prestar esclarecimentos a respeito, compareceu na Promotoria de Justiça a esposa do proprietário, e provavelmente sócia da loja também. Ela foi logo advertindo que tinha cursado direito e que não compreendia a razão da intimação, embora admitisse que realmente inúmeros espaços públicos ostentavam propaganda de um produto de sua loja. Pacientemente, foi esclarecido que os espaços utilizados eram públicos e que não poderia usá-los, sobretudo sem autorização da Prefeitura. Para minha surpresa, justificou e insistiu na legalidade da sua atitude dizendo o seguinte: “Mas doutor, se o espaço é público eu posso usá-lo sim!”, reafirmando sua condição de “advogada”. Nesse momento achei melhor não fazer questionamentos sobre sua formação jurídica, mas minha paciência tinha chegado ao fim. Apesar disso, expliquei que justamente por ser bem público, deveria servir aos interesses da coletividade, e não de uma ou mais pessoas determinadas, e sem dar-lhe mais nenhuma oportunidade para convencer-me do contrário, assinalei prazo de alguns poucos dias para retirar todas as propagandas e pintar todos os muros que havia se apropriado indevidamente. Resignada, a madame concordou e isso foi feito.
Esse fato, ocorrido poucos anos atrás, ilustra bem a equivocada e, às vezes, criminosa noção do que é público e privado. E essa “confusão”, quando lidamos com aspectos urbanísticos, pode promover o desconforto espacial e visual daqueles que transitam por estes locais, além de enfear as cidades, desvalorizando-as. Praças e outros espaços públicos que tenham destinação ao lazer, atividades culturais ou que simplesmente existem para embelezar as cidades não podem se converter em lugares destinados a trocas comerciais.
A maioria dos espaços públicos sofre essa “crise de identidade”, e tal circunstância é verificável quando passamos pelas praças e parques das cidades. Apenas para exemplificar, há uma praça em Prudente na qual um trailer converteu-se numa enorme ocupação física, com instalação de telão, colocação de caixas de som e mesas e cadeiras espalhadas por todo lado. Essas ocupações ilegais, autorizadas ou não, são dinâmicas. As ruas que contornam as praças são o limite da ocupação.
Enquanto a esmagadora maioria dos comerciantes ocupam espaços privados – seja adquirindo ou alugando -, uns poucos privilegiados se erigem à condição de donos de espaços que são nossos para exercer uma atividade que lhes proporciona lucros. Nada contra lucros, mas desde que não sejam auferidos à custa do sacrifício de espaços que são destinados para outras finalidades, especialmente públicas.
As praças e os parques públicos das cidades devem servir como ponto de referência para toda comunidade, e sua ocupação com atividades comerciais deve ser planejada, limitada e controlada. Evidente que numa praça ou num parque algumas atividades podem ser toleradas, como, por exemplo, a instalação de uma revistaria ou a venda de pipocas, doces ou a exposição e venda de artesanato, mas não como se verifica atualmente na maioria das praças e parques das cidades. Estas destinam-se para lazer, para embelezamento da cidade, para reunião de gente ou para o exercício de um sem-número de atividades diferentes, como manifestações, apresentações e tantas outras, e não podem se converter em espaços para o exercício de atividades essencialmente privadas em detrimento do interesse coletivo.
Que bom seria uma cidade cheia de praças, repletas de graça... A praça é um espaço tão importante na vida cotidiana do cidadão que já foi inspiração de incontáveis poemas, músicas e até programas televisivos. Quem não se lembra da criação de Manuel da Nóbrega: “A praça da alegria”. Ou mesmo de uma antiga música em que um verso declamava “a mesma praça, o mesmo banco, as mesmas flores, o mesmo jardim, tudo é igual, mas estou triste porque não tenho você perto de mim...”. Infelizmente tais versos não representam mais a realidade, porque nossas praças e parques sofrem todo tipo de transformação. Não são mais os mesmos bancos, a flores já não existem mais e o jardim foi substituído pelo concreto ou deram lugar a algum quiosque ou outra construção qualquer. Triste fim das praças... Perderam a graça?
Não! Mesmo quando esquecidas ou abandonadas pelo poder público, ou vilipendiadas por aqueles que se acham “donos” delas, as praças retratam a história da cidade, estão conectadas com nossas vidas de alguma forma, são parte da memória urbana e, por isso, merecem respeito. A praça é a alma da cidade, com já declamou o poeta Carlos Drummond de Andrade.
Uma cidade que não respeita suas praças e parques é uma “anticidade”.
Enfim, não é a primeira vez que abordo esta questão, e certamente não será a última. Não podemos desistir desses espaços públicos que dão vida às cidades, por mais desgastante seja fazer cumprir a lei em certas situações.
Apesar de tudo, não podemos esquecer: a praça é nossa!
Nelson R. Bugalho – O autor é vice-presidente da Cetesb, promotor de Justiça do Meio Ambiente e Urbanismo (licenciado) e mestre em Direito Penal Supraindividual.
3 comentários:
Realmente quiça em diversas cidades houvesse esta consciência sobre o que é público e privado, e até mesmo dos nossos gestores que fazem no público o que deveriam fazer somente na privada.Em Venceslau não é diferente- camelôs, trailers, barracos e barracas que tornam nossa praça mais feia, isto sem contar com a demolição do coreto, que poderia ter alguma serventia e virou poeira...
parabéns doutor,pois o senhor tem competencia e muito inteligencia no que faz....
Senhor Nélson. por favor, quando vier visitar Presidente Venceslau, faça um texto para Praça Nicolino Rondó. Os políticos não estão enxergando nada. Desde que eu me conheço por gente só existe uma coisa em praça pública, tanto aqui como em qualquer outra do Brasil: banca de revista. Imagine se cada cidadão se estabelecer na praça. Comenta também sobre a praça do Correio. Está tudo largado! Se couber, coloca aí, também, o Paraguai, bem lá no fundo da praça. Acho que ninguém paga imposto ali. Ficar no melhor lugar, sem quitar imposto, assim é fácil.
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