Páginas

quinta-feira, 5 de março de 2015

Psicóloga

PSICOLOGIA COM CÉLIA ARFELLI
Sobre o Masoquismo, abordagem psicanalítica

Sobre o Masoquismo, abordagem psicanalítica.A presente abordagem sobre o masoquismo e em especial do masoquismo feminino vem de uma necessidade de estudar o tema, tendo em vista sua grande incidência na clinica psicológica ainda nos dias atuais. Em virtude de que toda vez que um paciente queixa-se de seus sintomas, ou suas dores psíquicas é de uma parte de seu masoquismo apreendido que ele está falando.

Apesar da mulher no mundo moderno ter novas possibilidades rumo a sua emancipação, direitos, liberdade, igualdade e autonomia, a via da submissão ao marido na nossa cultura ainda é para muitas a única forma de identidade. Uma geração de mulheres ainda sonha e anseia pela alternativa de casamento e de cuidar da família como seu grande ideal de felicidade. E aos poucos muitas delas se veem presas e refém a situações de violência e submissão devido a não conseguirem outra condição de vida do que de donas de casa junto a um marido autoritário e às vezes cruel. Não conseguem enxergar outro caminho para suas vidas do que prosseguir mantendo se no papel de servidão. Estas, muitas vezes sem estudos suficientes para ter independência se veem numa armadilha difícil de sair. Temem um sofrimento maior que é a de abandono e ou de perda do marido.

Observa-se, porém que hoje neste universo, muitas mulheres também com formação profissional, e com autonomia financeira igual ou superior ao marido que ainda se mantém aos relacionamentos com estes, muito embora ao clima de grande humilhação e desrespeito vivenciados na relação do casal. Não conseguem sair destes vínculos amorosos, mesmo com a evidente situação danosa e destrutiva destas relações para suas vidas e a vida dos filhos.

Vamos aqui abordar o masoquismo na relação de passividade que historicamente é atribuída à mulher, mais o masoquismo enquanto atitude passiva pode aparecer também nas relações entre homem servil com mulher ativa. Sendo o masoquismo não aparece predominantemente no gênero feminino, como antigamente supunha ser do perfil feminino uma tendência inata à servidão e a passividade, o que justificaria sua maior incidência entre as mulheres. Às vezes este masoquismo pode aparecer ainda em outros tipos de relacionamentos afetivos como do marido na posição servil da esposa, pais e filhos, patrão e empregados, no trabalho, entre amigos, meios religiosos e outros, não sendo restrito somente ao plano amoroso.

O masoquismo é um tema muito caro para clínica (precisando de um debruçamento maior sobre este mecanismo psíquico) porque observamos que o paciente não quer ou não consegue melhorar e alterar aquele padrão de funcionamento. Leva anos ali falando daquela relação e das experiências negativas vivenciadas, mais que sempre mantém, por alguma razão interna não aguenta se apartar destes vínculos alienantes.

Conseguir o prazer pela dor, esta temática do masoquismo se justifica por si só um olhar especial da clínica. Por mais paradoxal que possa parecer o sofrimento masoquista parece trazer ao paciente uma zona de conforto. O sofrimento está lhe servindo para algo, que talvez ele também não esteja consciente do que seja. Talvez o sofrimento possa estar servindo para a pessoa se sentir um mártir, um forte, certa superioridade, querer a piedade dos outros, querer a atenção dos outros. E ainda a ideia de que o sofrimento possa lhe trazer ganhos secundários. O paciente está mais preocupado inconscientemente em se apegar ao sofrimento do que se livrar dele. Com o sofrimento está podendo ganhar mais a atenção do outro, se colocar na posição de vítima, fazer queixas do outro e muitas vezes não querer sair desta posição. Toca a presença da dor e do prazer, o masoquismo que acontece na forma de violência contra a própria pessoa, muitas vezes a pessoa escolhe ficar ali na posição de vítima, porque de alguma forma sente algum prazer nesta posição. Havendo um ganho, um prazer e um gozo na posição de vítima.

Estudiosos no assunto como La Boétie, ainda no século XVI, se questionavam de como pode a pessoa submeter-se a outro não por medo, ou por não ter outra opção, mais por desejar mesmo a servidão? O que leva a uma pessoa a preferir ser tiranizada por outra a usufruir sua liberdade? Há algo no mundo mais insuportável? Qual condição é mais miserável que a de viver de forma a nada ter para si que não seja dando ao outro seu bem estar interior, sua liberdade, sua vida?

Ainda continua se indagando sobre o que leva um sujeito a se colocar nesta posição de submissão e humilhação? Uma vez que é ele quem se dirige a esta posição. Esta forma de compreender a questão aponta para a responsabilidade do sujeito na posição de desejo que a sua escolha ocupa, retirando-o do papel de vítima tão mais aceito pelo senso comum.

O masoquismo dito feminino se constitui no relacionamento em que um sujeito se oferece como um objeto para ser atacado e humilhado pelo outro. Havendo uma forma de servidão e a humilhação diante do outro. Estando presente nas relações amorosas, quando uma pessoa se oferece à outra para se colocar no lugar de servidão, de humilhação, mau trato e às vezes até de violência. Quando a própria pessoa escolhe ir para aquele lugar servil em um relacionamento pessoal ou afetivo.

Em estudos sobre esta forma de servidão dita “servidão voluntária”, a função do masoquismo feminino teria a grande finalidade de proteger o sujeito de uma dor maior, que seria a dor de viver o desamparo. Oferece-se ao outro de uma forma servil por medo do abandono, e por medo da solidão e do próprio desamparo. Prefiro a dor da servidão e da humilhação do que a dor terrível da solidão e do desamparo de perder o olhar, a companhia e a “proteção” do outro.

Em relação a esta questão do desamparo do masoquista, J.Birman resalta que o sujeito é capaz de suportar qualquer dor ou atrocidade provocada pelo outro, sem romper o laço que estabelecem com este de maneira espantosa e surreal para quem assiste a cena. Como se falasse: “Goze com meu corpo e faça com ele o que bem entenda, me humilhe como quiser, mais fique comigo e não me abandone sozinho no meu desamparo”. Para este autor o que está aqui em jogo é uma maneira do sujeito se proteger do que há para ele de insuportável e de horror na experiência do desamparo.

Na questão do masoquismo é fundamental ainda observar nesta categoria não o fato do sujeito masoquista ter prazer com a dor, mais na posição de servidão e submissão que ocupa na relação com o outro. O fato de gozar com a dor não é o determinante no masoquismo, o que está no cerne desta experiência é o sujeito ocupar a posição de servidão. O relevante nesta categoria relacional é o fato do indivíduo se colocar na posição inferior e de servidão em relação a outro que irá lhe conduzir a vida, ou necessitar de outro porque não consegue encarar e fazer sozinha, ou melhor, não consegue “dar a cara a tapa”. Precisa de um outro que encabece, não consegue encarar com independência a experiência da vida. É como se delegasse ao outro que lhe encaminhasse a vida, cabendo a si uma submissão cega e servil, isto lhe aliviaria de tensionamentos e conflitos. Havendo assim um não poder, ou não querer, ou necessitar de se manter sob o mando e o julgo de outro. Não conseguindo ou não se sentindo com possibilidades de encarar a vida com suas próprias forças e seus próprios recursos.

O individuo utiliza-se destes mecanismos de servidão por haver sido criado e educado em um sistema autoritário e hierárquico de submissão, no qual ele deseja uma relação com uma autoridade e uma lei maior que lhe coordene e que lhe proteja. As pessoas no geral são e estão sempre desejantes de um “PAI” que lhe ampare, e de alguma forma este é o padrão de relação que busca com o outro. Sem o elo da “escravidão” ele não é nada ou não se sente nada que lhe seja suficientemente forte e seu e que lhe represente. Só encontra o seu valor no espaço que ocupa de servidão. O outro tem valor, e se eu ficar atrelado e agregado ao outro me sinto também com valor. Preciso do outro que me legitime e que faça sentido a minha existência.

Vemos assim como uma das tarefas importantes da análise seria libertar os pacientes de seus amores alienantes, que o escravizam, o tolhem e dos quais se vê dependente e limitado. E de refletirem sobre a parte que lhe cabe nesta forma de relacionamento e de suas necessidades internas na manutenção do padrão relacional.

Célia Arfelli é psicóloga, especialista na área Jurídica e Pós Graduada em Psicopedagogia. Seu consultório em Presidente Venceslau está localizado na Rua Bernardino de Campos, 348. Telefone (Vivo) 99690-5595.

Nenhum comentário:

Postar um comentário