sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Conselho de Pastores

Estudo do Livro de Jó

Deus se oferece como graça pura, e o homem lhe responde gratuitamente, com fé pura. Um relacionamento que, da parte humana, se funda no reconhecimento e na gratidão. Não é preciso negociar comercialmente nada com Deus, pois ele já deu tudo de antemão a todos. Todos receberam de graça o universo inteiro e a estrutura do próprio ser, junto com o dinamismo que leva o ser à sua total realização. No ato criador, todos receberam tudo para emergir em plena liberdade e vida.

Mas as coisas não são tão fáceis. A má compreensão de si mesmo pode levar indivíduos a buscar a sua realização em caminhos escusos, que consistem principalmente em se apropriar ou roubar a chance dos outros, acumulando liberdade e formando o PODER e acumulando bens e formando a RIQUEZA. Daí por diante, começa a negociação: quem quiser liberdade e vida (bens) tem que pagar, e pagar caro, pois uma vez constituídos, o poder e a riqueza não são mais partilhados gratuitamente.

Esse fenômeno se reflete imediatamente no campo religioso, usado como sua justificação ideológica. De um lado, o rico e poderoso afirmam que têm poder e riqueza porque deus lhes deu isso, em recompensa pela justiça (ocultamento do roubo). De outro lado, os pobres e fracos querem ter o que lhes é de direito, e o pedem a Deus, como se ele já não lhes tivesse dado o que estão pedindo; como não o tem, julgam-se injustos, ou não merecedores (engolem a desculpa ideológica dada pelo rico e poderoso). Daí por diante está formado o circuito comercial da RELIGIÃO: ser justo a fim de conseguir liberdade e vida, ou mais liberdade e mais vida. Isso, é claro ao lado de sentimentos de desvalia, inferioridade e culpa, que são impingidos aos pobres e fracos, a fim de explorá-los e oprimi-los mais ainda.

Pode existir religião gratuita? Pode, com a condição de que o pobre e o fraco deslindem o ocultamento religioso – ideológico feito pelos ricos e poderosos. Só assim eles se encontrarão com o Deus verdadeiro, que já lhes tinha dado tudo o que lhes fora roubado. Experimentado esse Deus e a sua graça, os pobres e fracos podem lhe ser gratos e reconhecer que esse Deus está a seu lado como aliado na luta pela justiça, que não é mais do que recuperar e redistribuir o que lhes fora roubado. Como se fará essa luta? O livro do Êxodo é um exemplo.

É claro que o conhecimento de Deus não leva à experiência de Deus. A experiência da verdadeira religião não brota no conhecimento estabelecido, por melhor que ele seja. Ler um livro de ótimas receitas não substituiu nenhuma refeição. Como dissemos, o dom de Deus já foi feito.
O que é preciso é recuperar o dom que foi roubado. E isso se chama lutar com Deus pela justiça, pela partilha igualitária do seu dom. É luta econômica, pois se refere à partilha dos bens da vida. É luta política, pois se refere à partilha da liberdade ou possibilidade de ser e de participar. É luta ideológica, pois se refere à busca da verdade que desmascara todos ocultamentos, inclusive os religiosos. É enfim, luta. Por que luta? Porque os ricos, os poderosos, os religiosos, estão de certa forma (unidos) e de forma nenhuma pretendem partilhar nada com os pobres e fracos.

É curioso que os três amigos de Jó falam muito de Deus e pretendem a todo custo defendê-lo, mas não são eles que fazem a EXPERIÊNCIA do Deus vivo. Quem faz é Jó, o pobre e o fraco, do qual os amigos querem ainda irar a honradez (esses amigos falam em nome de Deus).
A religião verdadeira, portanto, nasce dos pobres e fracos. São eles que podem a partir da sua experiência, ensinar quem é Deus e o que ele quer. São eles que penetram a sua sabedoria e o seu projeto (Mt 11-25-26). Foi da experiência dos pobres que nasceu a religião de Javé, o Deus que liberta da exploração e da opressão e dá a liberdade e vida.

Interessante notar as investidas do Satã Jó 1-2. A primeira é uma investida econômica, que despoja Jó de tudo o que ele possuía, deixando-o pobre. A segunda é uma investida política, que despoja Jó de toda a sua força e saúde, deixando-o fraco. A terceira investida é ideológica através dos três amigos, uma investida religiosa que procura culpabilizá-lo e despojá-lo de sua honradez, deixando-o desmoralizado. Quem seria o satã, senão aqueles que detêm e manipulam o poder econômico, político e ideológico – religioso, reduzindo ¾ da humanidade à pobreza, doença e desmoralização? Não seria ele justamente o restante 1/4, que se esconde por trás de toda a imaginária que a fantasia atribui ao misterioso ser com chifres e cauda em flecha?

Como justificar a riqueza, o poder e a manipulação da verdade, senão através de um engenhoso comércio entre justiça e recompensa: os ricos e os poderosos são justos, e por isso Deus os recompensa com riqueza e poder? E os pobres e os fracos? Não seria pobres e fracos porque são injustos? Boa forma de encobrir a injustiça, isto é, de ocultar a LIGAÇÃO que existe entre a riqueza de uns e a pobreza de outros, o poder de uma e a impotência de outros. E que serve de cobertura. O próprio Deus, manipulado para esconder a injustiça. Dessa forma o rico e o poderoso dormem de consciência tranquila, enquanto os pobres e os fracos se torturam continuamente sob o peso de uma imensa culpa que os esmaga e tritura.

Preso ainda à ideologia religiosa do dogma da retribuição, Jó só podia atribuir o seu triste destino ao Deus manipulado pelos ricos, poderosos e religiosos. Tinha engolido direitinho a farsa ideológica. Em meio à sua luta pela sobrevivência, ele pede que alguém seja juiz ou árbitro entre ele e Deus. Sabendo que vai morrer, pede que alguém seja sua testemunha e defensor. E, às portas da morte, pede que alguém seja seu redentor e vingador, ao menos para resgatar a sua honra.

Estes pedidos, são os que ¾ da humanidade fazem; pedem um juiz, uma testemunha, um defensor, um vingador da honra contra um Deus manipulado que os esmaga. Jó, contudo, não conseguiu ninguém. Só Deus vivo se solidarizou com ele. Ninguém mais. Será que o mesmo continua acontecendo com ¾ da humanidade? Para que servem os juízes, as testemunhas, os defensores, os vingadores ou os resgatadores da honra? Para quem não precisa? Na Bíblia, a justiça é, em primeiro lugar, defender o direito do pobre e do fraco. Contudo, quando esquecemos os contrastes sociais e imaginamos que todo mundo é igual – e isso é cegueira provocada pela ideologia – facilmente transformamos o exercício da justiça em forma de perenizar um estado de injustiça. Ser justo numa sociedade desigual implica em agir desigualmente no tratamento das pessoas. O pobre que rouba para comer não deve ser tratado da mesma forma que o rico que rouba para acumular. E o que vemos é justamente o contrário.

Muitos podem rir, com altivez e quem sabe com indulgência, achando que o caminho da religião deve ser para cima, e não para baixo. Acharão muitos argumentos para provar o contrário, dirão que mudar não dá certo e que o mundo é assim mesmo. Afinal, o que o pobre e o fraco teriam para oferecer? É verdade. Os pobres e os fracos não têm nada, a não ser Deus. E Deus, também não têm nada, a não ser os pobres e os fracos, que lhe pertencem.

E para concluir fica a pergunta. Você aceitaria ser Juiz, Testemunha, Defensor, Vingador do pobre e do fraco? Se sua resposta for positiva, corra agora em qualquer direção (até de uma igreja) e você vai ter muito trabalho, porque há muita gente precisando da justiça de Deus e não da (bondade) dos homens.


José Valdo G. Costa – Pr. Igreja Filadélfia.
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Construtora KF

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