Post do Luciano
DESPEDIDA DE UM MOTOQUEIRO
Viver num mundo no qual várias coisas vão perdendo o significado nos faz lembrar momentos preciosos do passado. Sei que parece nostálgico ficar pensando no passado até porque o presente não tem o poder da mudança que gostaríamos. Relembrar situações e pessoas que nos deram prazer talvez seja a única forma de reviver momentos tidos como inesquecíveis. Mas algumas pessoas passam por nossas vidas deixando um rastro de momentos a serem lembrados mesmo que não tenhamos sido o mais íntimo dos amigos.
Quando se vive em grupo, cada integrante tem seu papel contando uma parte dessa história... da nossa história. E foi assim que presenciei uma das situações mais impressionantes de que tenho memória.
Era 1986 e eu ainda nem tinha chegado à maioridade, mas, como era comum naquela época, já tinha minha moto e convivia assiduamente com o único grupo de motoqueiros da cidade. Digo motoqueiros porque era a designação da época para aqueles que, como nós, usávamos a motocicleta para curtir e vida, fosse passeando, indo ao trabalho, ou fazendo qualquer tipo de coisa que não pudesse ser feita a pé.
As motos tinham um papel tão importante na sociedade de então que bastava ter uma para acompanhar o grupo por onde andasse, incluindo os memoráveis passeios de domingo ao entardecer quando íamos à ponte da integração para assistir aos “rachas” (competição entre duas motos) quando não tínhamos que correr da polícia insistente em acabar com a brincadeira.
E foi numa dessas idas e vindas em grupo para a cidade de Presidente Prudente que nosso amigo Rubens Riroshi Takenobu, o “Rubinho”, como todos o chamavam, acabou sofrendo um acidente, falecendo momentos depois. Uma fatalidade, para ser bem sincero, já que estamos falando de um verdadeiro piloto, título que ganhou depois de um curso feito na própria Honda.
Rubinho era um sujeito maravilhoso, do tipo melhor amigo, daqueles que nunca desprezava ninguém, pois a ele todos eram iguais. Apreciador da tecnologia, foi em seu carro que todos vimos o primeiro toca fitas com uma TV embutida (certamente o avô dos DVDs para carro que vemos hoje), avanço sem igual para a época. Era, certamente, um piloto que tinha motocicleta nas veias além de parceiro de todas as viagens, das quais não participava por falta de idade e CNH - sofrimento sem igual.
Para os jovens que nos leem devo lembrar que acidentes de moto em 1986 eram tão raros que, quando aconteciam, levavam verdadeiras multidões à Santa Casa para prestar apoio e qualquer outra coisa que fosse preciso, pois, além de amigos, éramos unidos e fosse necessário um rateio para transferir alguém, nunca seria tarefa difícil.
Mas a morte de Rubinho, ao mesmo tempo que chocou a maioria da população, pois era o filho mais novo do sêo Teru do Foto H3 Brasil, consternou de forma inconsolável todos os que tinham motocicletas a ponto de nos obrigarmos a prestar uma justa homenagem e à altura da personalidade que representava o amigo Rubinho.
Sem que ninguém combinasse nada, aconteceu uma daquelas situações de obra coletiva: colocaram o caixão no carro funerário e decidiram dar uma última passada pelas duas maiores avenidas da cidade, lugar em que passeávamos diuturnamente. Foi como se ele desejasse se despedir das ruas pelas quais ele tanto trafegou na companhia dos seus. Os amigos mais próximos seguiam o carro funerário numa fila dupla que inicialmente preencheu uma quadra. Conforme fomos passando pelas esquinas todas as motos que viram a despedida iam se alinhando no final da fila aumentando seu tamanho até que a avenida fosse praticamente tomada pelo serpenteado das motos.
Quando o enterro entrou pela Rua Regente Feijó, nós abandonamos o carro funerário dando a volta e estacionando na diagonal no último quarteirão, entrada do cemitério. Conforme as motos ladeavam-se uma a uma, a quadra ia se preenchendo até que não sobrasse um único espaço, congregando ali a maioria das motos da cidade com seus motoqueiros emocionados numa despedida singela, mas fiel à importância que as motos tinham em sua vida.
Assim que o carro funerário entrou no último quarteirão, todos ligamos nossas motos e, utilizando uma velha mania, acelerávamos até uma boa rotação e ficávamos ligando e desligando a moto sem soltar o acelerador, fazendo com que ela proferisse um estampido parecido com o som de um tiro. O corpo ia passando e as motos eram desligadas como se disséssemos que ali encerrava a vida de um motoqueiro ao som da nossa “salva de tiros”, sua justa homenagem.
Rubinho faleceu em 04/04/86, aos 19 anos.
Luciano Esposto é poeta e escritor venceslauense.
Parabéns pela homenagem!
ResponderExcluirLuciano viajei no tempo agora, anos 80.............anos inesquecíveis.... me lembro muito bem desse dia....
ResponderExcluirMuito obrigada pela homenagem.
ResponderExcluirHoje eu conheci um lado do meu tio que ninguém tinha contado antes. Nunca perguntei tantos detalhes pq acho falta de consideração mexer nesse tipo de memória de meus pais e avós, mas fico muito feliz de saber que ele foi tão querido. E senti falta de alguém que eu nunca conheci.
Pois é,homenagens como deste tipo são para pessoas especiais que passaram por nossa vida,muito emocionante!
ResponderExcluirmuito bonita a homenagem.á altura do rubinho...
ResponderExcluirParabéns Luciano,tinha 14 anos na época,lembro-me de alguém dizer que ele caiu na pista,e um carro o atropelou na frente dos amigos,que tentaram ainda tira-lo do meio da pista + ñ deu tempo.A MOTO ERA UMA YAMAHA 350cc.
ResponderExcluirLinda homenagem.
ResponderExcluirMe deu saudades de quando todos tinham famílias; de quando havia políticos honestos; de quando a lei era criada apenas para proteger os cidadãos, a família e a sociedade; de quando os sacerdotes visavam apenas o ensinamento da palavra de Deus; de quando pessoas realizavam grandes feitos sem se preocupar com a exposição na mídia; de quando os órgão públicos não eram manipulados para fins eleitorais e serviam apenas para atender a população.
ResponderExcluirObrigado Luciano, suas palavras são como fotografias que me vem da memória, formando imagens claras das minhas lembranças, fico triste pela perda de meu único irmão de sangue, porém feliz por ter sido ele uma pessoa amigável, admirável e amável.
ResponderExcluirme lembro mto bem desse acidente se nao me engano ele estava servindo o tiro de guerra ja se passou tanto tempo mas ao msm tempo parece que foi ontem mto bonita msm essa homenagem parabéns.
ResponderExcluirPena q homenagens como estas não acontecem mais ultimamente... será q nos tornamos insensíveis ou as pessoas já não possuem mais o mesmo encanto????
ResponderExcluirParabéns Luciano, sou nascido em 1979 e tenho paixão por motos, assim infelizmente nesta época ainda era criança. Adoro textos saudosistas principalmente dos anos 80 onde vivi a minha infância na Vila Festi. Escreva mais sobre esta década, um tempo bom que não volta mais.
ResponderExcluirSaudoso Rubinho, meu amigo de infância e inesquecível. Um cara que o "ser" era mais importante que o "ter", amigo de todos e viveu 50 anos em 19. Ele cumpriu sua missão, viveu intensamente, e deixa como legado, um belo exemplo de vida.
ResponderExcluirSaudades eternas.
Parabenizo ao escritor, bela homenagem.