Espaço do Nando
“Quarta-feira de cinzas”
É bem provável que este texto seja publicado
ao meio-dia, ou seja, bem na hora em que o nosso Brasil varonil começa a
recuperar-se da gostosa ressaca carnavalesca. Afinal, chegou a hora de pegar no
batente, gerar e produzir riquezas. Caramba, que discurso mais “governo
militar”! Creio que nesse momento muita gente já se esbaldou na folia, tomou
sua canjinha, tirou uma boa soneca e esteja totalmente revigorado para o
trabalho. Ou pelo menos, quase.
Pois bem, em algum ponto da
minha vida, eu fui um daqueles caras que achavam o carnaval um verdadeiro
porre, sendo ranzinza ao extremo, criticando até mesmo as outras pessoas que
gostavam ou participavam da festa. Hoje, felizmente, mudei
meu conceito, e mesmo que ainda
continue não gostando do carnaval, aturo com mais paciência e
curiosidade os “ziriguiduns”, balacobacos” e “telecotecos”. Atualmente, até
acho que essa grande festa seja necessária.
Para começar, devo levar em
consideração que entre o estouro da champanhe no reveillon e o bacalhau da
sexta-feira santa, (para a maioria, sardinha); são aproximadamente quatro
meses. E convenhamos: para o brasileiro, é um período bem razoável sem um feriadinho prolongado, sendo
que isto não é justo para um povo que tanto padece.
Existe também a questão da
alegria exacerbada e da fantasia. Não me refiro às alegorias carregadas de
plumas e paetês, mas sim, à fantasia ilusória, que leva o habitante do morro e
das periferias à apoteose, vivendo uma noite de celebridade, ao lado de
artistas de televisão, cantores e jogadores de futebol. O carnaval, via de
regra, recarrega as baterias e eleva o ego do sujeito, numa explosão de êxtase, e principalmente, fornecendo uma dose anestésica de felicidade em meio a
tantas dores e sofrimentos. É bem verdade que nesse período, algumas de
nossas mazelas tornam-se ainda mais
latentes, como a falta de respeito no trânsito e o lixo jogado nas ruas.
Mesmo assim, continuo acreditando que precisamos do carnaval, apesar desses
"pequenos contratempos".
E aí vem aqueles moralistas
que criticam a festa pela possível alienação, a falta de roupa, a bebedeira e
tantas outras coisas mais. Caramba,
deixa o povo ser provisoriamente feliz! Esquecem que provavelmente o
mestre-sala daquela famosa escola de samba, no restante do ano, pega várias
conduções para ir ao seu trabalho, e no final da jornada, precisa retornar ao
barraco em um morro sem água potável e saneamento básico. Julgar a mulher pera
por ter usado o menor tapa sexo do carnaval? Ora, quanta hipocrisia! Aquilo
pode até ter um grandioso toque de vulgaridade, mas a maior imoralidade desse
país é praticada por pessoas que usam um figurino bem mais
"respeitado", com paletós, ternos e gravatas! Dizer que os nordestinos
começam a festa antes e terminam depois? Me poupem! Naqueles blocos existe uma
grandiosa parcela de foliões provenientes do Sul e do Sudeste do Brasil. Além
disso, o carnaval é cultura popular, coisa nossa, que deve ser valorizada,
apesar de algumas argumentações contrárias; (com certa razão, é bem verdade).
Talvez esse texto tenha sido
um pouco amargo, e peço desculpas por isso, pois encontro-me de ressaca.
Ressaca não pela festa que se encerrou,
mas sim, antecipada aos próximos
doze meses de corrupção, impunidade e dura realidade que virão. Mau humor? Pode até ser, pois
infelizmente não provei do necessário e efêmero anestésico alienante das massas. Também, quem mandou não
pular carnaval? Agora aguenta....
Fernando Freitas é Funcionário Público
Estadual e escreve às quartas-feiras
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